Projecto PLATMAR : dados de campo recolhidos na plataforma da ilha de Santa Maria desafiam modelos matemáticos de dinâmica sedimentar

A publicação “Wave-influenced deposition of carbonate-rich sediment on the insular shelf of Santa Maria Island, Azores” em foco na revista Eos da AGU

No âmbito do projecto PLATMAR (PTDC/GEO-GEO/0051/2014), financiado pela FCT e cujo Investigador Principal é Rui Quartau (Instituto Hidrográfico/IDL), foram recentemente realizados dois cruzeiros na plataforma da ilha de Santa Maria, durante os quais foram adquiridos uma enorme quantidade de dados, incluindo batimetria multifeixe, perfis de reflexão sísmica do tipo “Boomer”, colheita de amostras de sedimentos e gravação de imagens e vídeos do fundo marinho. Para além disso, os sedimentos foram caracterizados quanto à sua natureza e tamanho do grão, o que proporcionou uma oportunidade única para testar o transporte de sedimentos na plataforma insular de Santa Maria.Em particular, os investigadores – que compõem uma equipa multidisciplinar resultante de uma colaboração internacional entre o Instituto Hidrográfico, IDL, a Universidade dos Açores, a Universidade de Manchester (Reino Unido), a Universidade Dunarea de Jos de Galati (Roménia) e o South China Sea Institute of Oceanology – estavam interessados em testar no terreno “o limiar de entrada em movimento de partículas sedimentares”, uma grandeza fundamental em sedimentologia, mas nem sempre medida no terreno e cuja formulação se baseia em modelos matemáticos. Este limiar é definido como a quantidade de tensão exercida sobre o fundo marinho (por fatores externos como correntes e ondas) que provoca o movimento dos sedimentos. As equações baseiam-se em experiências de laboratório que utilizam uma superfície plana e cristais esféricos de quartzo. No entanto, o fundo marinho à volta de Santa Maria, tal como muitas outras zonas costeiras, é rochoso e contém sedimentos feitos quase exclusivamente de pedaços de conchas com muitas formas e tamanhos.A reportagem do Eos sobre este trabalho realça as discrepâncias entre as medições no terreno obtidas durante estas campanhas oceanográficas e o transporte sedimentar modelado. Os cientistas compararam os cálculos de entrada em movimento de partículas sedimentares a partir do tamanho dos grãos dos sedimentos recolhidos em 112 locais em torno de Santa Maria e a partir de um modelo computacional que estima a tensão no fundo do mar causado pelas ondas durante os 3 meses de Inverno (os mais energéticos). O modelo previa que a areia em toda a plataforma insular sofria transporte, mas a observação dos dados sugeriu o contrário. Fotografias do fundo marinho revelaram ondas de areia, uma evidência de movimento na plataforma interior da ilha, mas na plataforma exterior os comprimentos de onda das ondulações na areia tinham uma amplitude muito maior ou eram inexistentes, indicativo de que os sedimentos nesta zona mais profunda não se moviam.Além disso, os grãos constituintes do sedimento eram pequenos em águas pouco profundas, mas maiores em águas mais profundas. Os sedimentos maiores indicam falta de movimento porque o movimento dos sedimentos decompõe os grãos em formas mais pequenas e uniformes. Os dados dos perfis sísmicos “Boomer”, capazes de observar as camadas de sedimentos abaixo do fundo marinho, confirmam as provas de que os sedimentos na plataforma exterior não eram movimentados. Os dados mostraram um padrão de deposição de sedimentos, e não de transporte.As conclusões retiradas são que os modelos estarão a sobrestimar a tensão exercida pelas ondas, porque os fundos marinhos em redor de Santa Maria têm afloramentos rochosos, que protegem os sedimentos de serem movidos pelas ondas. Rui Quartau afirma que “as fórmulas utilizadas para calcular o transporte de sedimentos não se aplicam aos sedimentos da plataforma da ilha, uma vez que a morfologia do fundo desta é muito complexa”.A reportagem conclui com a reflexão que, uma vez que as previsões do limiar de entrada em movimento de partículas sedimentares são utilizadas para preencher as lacunas onde os instrumentos de medição de transporte de sedimentos não existem, uma compreensão mais profunda da margem de erro nos cálculos tem várias implicações para atividades que incluem pescas, projetos eólicos offshore, oleodutos submarinos, cabos de telecomunicações e dragagem de areias para a construção civil.A publicação fez parte do Doutoramento de Zhongwei Zhao na Universidade de Manchester, supervisionado por Neil Mitchell e Rui Quartau e pode ser consultada no sítio da revista “Sedimentology”: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/sed.12963

Photo credit: Lou Jarry/Flickr, CC BY-NC-SA 2.0

Geology, Marine Sciences, Sediments